Se estima que aproximadamente 100 milhões de animais vertebrados sejam utilizados anualmente em experimentos anualmente no mundo.
Não há estimativa para o número de invertebrados pois a utilização destes animais não é regulada.
Devido à origem inglesa dos termos, e dificuldades de tradução, muitas vezes existe uma confusão em relação ao significado dos termos “Animal Modelo” e “Modelo Animal” ou “Modelo de Doença”. Simplificadamente, seguem algumas definições:
Espécie animal não-humana utilizada em experimentação para fins específicos de investigação ou desenvolvimento tecnológico devido à características que a tornam vantajosa. A seguir alguns exemplos resumindo as vantagens de Animais Modelo clássicos:
(muitas vezes usado como sinônimo de Modelo de Doença ou de alguma manifestação fenotípica):
Animais modelo podem ser manipulados de forma que venham a manifestar sintomas ou características de interesse que mimetizem/modelem, por exemplo, doenças humanas. Este tipo de modelo contribui para o entendimento de processos biológicos e identificação de alvos para novas terapias.
– Fase l: Avaliação inicial em humanos sobre tolerância e perfil farmacocinético e farmacodinâmico em voluntários saudáveis:
– Fase ll: Primeiros estudos terapêuticos piloto controlados em pacientes para demonstrar efetividade potencial da medicação e confirmar sua segurança;
– Fase lll: Estudos internacionais, de larga escala, em múltiplos centros, com diferentes populações de pacientes para demonstrar eficácia e segurança
– Fase IV: Mesmo após a conclusão das fases anteriores com sucesso e aprovação para comercialização do produto seguem as pesquisas para detectar eventos adversos pouco frequentes ou não esperadas, entre outros objetivos;
A maior parte dos novos medicamentos não sucede. Todos os resultados de testes envolvendo animais apresentados à Anvisa devem ser conduzidos de acordo com a legislação nacional e as Boas Práticas de Laboratório (BPL) da Organização Mundial da Saúde.
A experimentação animal é realizada desde os primórdios da investigação biomédica e se estima que tenha contribuído para todas as grandes descobertas médicas que vem beneficiando tanto seres humanos quando animais.
Adicionalmente, o Link abaixo leva à um arquivo pdf disponibilizado pelo Conselho Canadense de Proteção aos Animais (CCAC) que apresenta uma linha do tempo com alguns dos principais eventos na experimentação animal e paradigmas morais envolvidos com esta atividade.
A preocupação com os animais é também bastante antiga, especialmente quanto ao sofrimento causado pela experimentação que cresceu significativamente a partir dos anos 1800.
Jeremy Bentham, em 1789, já afirmava que a principal questão não era se animais poderiam raciocinar ou falar e sim se poderiam sofrer. O Reino Unido foi precursor ao estabelecer Atos anti-crueldade e a primeira Sociedade Protetora de Animais em 1824, sendo subsequentemente acompanhado por outros países.
Em 1865 o fisiologista Claude Bernard, em seu trabalho Introdução ao estudo da Medicina Experimental, foi pioneiro ao usar argumentos morais para discutir o uso de animais na experimentação. Bernard defendia que os usuários deveriam ser indiferentes ao sofrimento dos animais dados os benefícios para o avanço da medicina e diminuição do sofrimento humano.
A indiferença ao sofrimento dos animais representa uma posição extrema e inaceitável no debate moral a respeito do uso de animais experimentais, contraposto por defensores radicais dos direitos dos animais que acreditam que qualquer uso é inerentemente antiético. Este debate é importante e a reflexão a respeito do status moral dos animais é obrigação de todos os indivíduos envolvidos na experimentação.
Atualmente é aceito que os animais possuem status moral, e que aqueles com sistema nervoso complexo são capazes de perceber dor e devem ser preservados de dor e sofrimento. A utilização de animais experimentais deve ser uma alternativa ao uso de seres humanos e ser indispensável, imperativa ou requerida, considerando que ainda não há métodos científicos que permitam a substituição completa dos estudos em animais.
1º- É primordial manter postura de respeito ao animal, como ser vivo e pela contribuição científica que ele proporciona.
2º- Ter consciência de que a sensibilidade do animal é similar à humana no que se refere a dor, memória, angústia, instinto de sobrevivência, apenas lhe sendo impostas limitações para se salva-guardar das manobras experimentais e da dor que possam causar.
3º- É de responsabilidade moral do experimentador a escolha de métodos e ações de experimentação animal.
4º- É relevante considerar a importância dos estudos realizados através de experimentação animal quanto à sua contribuição para a saúde humana em animal, o desenvolvimento do conhecimento e o bem da sociedade.
5º- Utilizar apenas animais em bom estado de saúde.
6º- Considerar a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos "in vitro", utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível.
7º- Utilizar animais através de métodos que previnam desconforto, angústia e dor, considerando que determinariam os mesmos quadros em seres humanos, salvo se demonstrados, cientificamente, resultados contrários.
8º - Desenvolver procedimentos com animais, assegurando-lhes sedação, analgesia ou anestesia quando se configurar o desencadeamento de dor ou angústia, rejeitando, sob qualquer argumento ou justificativa, o uso de agentes químicos e/ou físicos paralisantes e não anestésicos.
9º - Se os procedimentos experimentais determinarem dor ou angústia nos animais, após o uso da pesquisa desenvolvida, aplicar método indolor para sacrifício imediato.
10º- Dispor de alojamentos que propiciem condições adequadas de saúde e conforto, conforme as necessidades das espécies animais mantidas para experimentação ou docência.
11º- Oferecer assistência de profissional qualificado para orientar e desenvolver atividades de transportes, acomodação, alimentação e atendimento de animais destinados a fins biomédicos.
Debates e questionamentos a respeito da justificativa da utilização de animais na pesquisa e ensino são tão antigos quanto a experimentação em si, e é obrigação de todos refletir continuamente a respeito do tema, buscando informações precisas e atualização.
Alguns aspectos críticos devem ser garantidos, entre eles:
A necessidade de zelar pelos animais e garantir condições padronizadas e adequadas de experimentação levaram ao estabelecimento de normas institucionais e governamentais que regem a experimentação animal no Brasil e no mundo.
Mesmo em situações nas quais a utilização de animais se justifica, apresentando um benefício claro para indivíduos de diferentes espécies e contribuindo para o avanço do conhecimento, esta deve ser realizada seguindo procedimentos padronizados e princípios éticos e humanitários.
O primeiro deles é garantir a manipulação adequada e o bem-estar dos animais.
O cuidado humanitário para com os animais deve ir além de tentar evitar a crueldade, devemos tentar ativamente promover o conforto e o bem-estar dos mesmos.
O termo bem-estar animal é amplamente utilizado para estabelecer condições de qualidade de vida de animais, e abrange vários aspectos, incluindo: saúde, alimentação adequada, acomodação em ambiente que promova conforto, entre outros. Os animais devem ainda estar livres de dor, medo e estresse.
Existem várias definições e interpretações para o termo “bem-estar”, mas uma das mais antigas ainda é considerada uma das melhores:
“bem-estar animal é o estado do organismo em que há harmonia física e mental” de Hughes (1976).
Contudo, nem sempre é fácil estabelecer quais condições são necessárias para atingir esta harmonia, ou se realmente é possível alcançá-la em condições artificiais como aquelas que os animais experimentais são mantidos longe de seus habitats e condições naturais.
Embora, as condições de bem-estar variem muito conforme a espécie, atualmente já estão bem estabelecidas as condições de manutenção e manipulação dos animais das principais espécies experimentais.
É importante atentar que estas condições devem ser padronizadas, e jamais alteradas sem justificativa clara ou investigação prévia, sob risco de inadvertidamente comprometer o bem-estar dos animais.
Alguns dos parâmetros utilizados para avaliar o bem-estar animal e as condições que o favorecem estão aspectos comportamentais e fisiológicos, reprodutivos, etc.
Todos os indivíduos diretamente relacionados com a experimentação animal devem conhecer os parâmetros que promovem e garantem o bem-estar de sua espécie de trabalho e ativamente se dedicar a garantí-las.
Avaliar o bem-estar de um animal experimental não é uma tarefa fácil, e o experimentador treinado deve saber reconhecer manifestações objetivas e respaldadas pela literatura.
Existem princípios que guiam o cuidado e estabelecem condições que promovem o bem-estar dos animais experimentais.
Uma estratégia de promoção do bem-estar dos animais experimentais que vivem confinados em biotérios é o “enriquecimento ambiental”, um conjunto de estratégias com objetivo de melhorar as condições de vida dos animais e que incluem mudanças no ambiente em que vivem. Estas estratégias são válidas e tem benefícios já comprovados para algumas espécies, principalmente de roedores, mas devem obedecer critérios padronizados e validados a fim de não ter efeitos deletérios. Ao final deste material há uma lista de bibliografia e sites nos quais mais informações podem ser obtidas.
Outra estratégia para guiar o acompanhamento de atividades de experimentação e dedicar especial atenção a aspectos relacionados ao bem-estar dos animais usados é a classificação das atividades conforme seu Grau de Invasividade. No Brasil é utilizada a seguinte classificação recomentada pelo CONCEA:
Independentemente dos manuais e regras específicos de cada país ou região, todos os usuários de animais de experimentação devem seguir princípios básicos como os 3 Rs.
Estes princípios foram sumarizados em 1959 por Russell e Burch, nos quais argumentaram que tais princípios humanitários no tratamento de animais experimentais, longe de serem um obstáculo, são pré-requisitos para um experimento suceder.
Alguns métodos podem ser especialmente úteis, por exemplo, em atividades de ensino:
Contudo, muitas muitas alternativas ainda são limitadas em relação a sua aplicação na pesquisa. Recentemente avanços promissores foram realizados usando células tronco induzidas para a criação de mini-órgãos que no futuro poderão gerar estratégias alternativas. Para saber mais clique nos links a seguir para acessar alguns exemplos
Existem muitas fontes de informação a respeito e órgãos dedicados ao desenvolvimento e validação destas estratégias. Estes sites compilam uma serie de recursos:
Os 3 Rs permitem a adoção de estratégias práticas que minimizem o uso de animais e o sofrimento causado a estes sem comprometer a qualidade do estudo científico.
Enquanto outros países possuem há bastante tempo órgãos governamentais de regulamentação do uso de animais experimentais e guias e manuais de procedimentos que eram seguidos por pesquisadores brasileiros, apenas recentemente no Brasil foi promulgada uma Lei que regulamenta a utilização de animais.
Exemplos internacionais:
O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) é órgão integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, constituindo-se em instância colegiada multidisciplinar de caráter normativo, consultivo, deliberativo e recursal. Dentre as suas competências destacam-se a formulação de normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica. bem como estabelecer procedimentos para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal. o Conselho é responsável também pelo credenciamento das instituições que desenvolvam atividades nesta área, além de administrar o cadastro de protocolos experimentais ou pedagógicos aplicáveis aos procedimentos de ensino e projetos de pesquisa científica realizados ou em andamento no País.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) historicamente é pioneira em relação à atividade de Comitês de Ética no Brasil, e já avaliava projetos de pesquisa usando animais experimentais antes mesmo da obrigatoriedade legal;
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Design Gráfico [Diagramação]: Edipucrs
Ilustração e animação: Maria Fernanda Fuscaldo
Revisão de texto: dos autores
Ficha Catalográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
V617e Vianna, Monica Ryff Moreira
Ética em experimentação animal [recurso eletrônico] / Monica Ryff Moreira Vianna. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2018.
Recurso on-line (67 p.). – (Coleção Integridade na Pesquisa em Foco ; 5)
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/
ISBN 978-85-397-1133-8 (volume 5)
ISBN 978-85-397-1128-4 (Coleção Integridade na pesquisa em foco)
1. Pesquisa – Aspectos morais e éticos. 2. Ética. 3. Educação. I. Título. II. Série.
CDD 23. ed. 001.4
Clarissa Jesinska Selbach – CRB-10/2051
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS
Doutor em Ciências Biológicas (Bioquímica) -UFRGS
Pós-doutorado - Montreal Neurological Institute (MNI) – McGill University
Seasonal Investigator - Mount Desert Island Biological Laboratory (MDIBL)
Professora Adjunta da Faculdade de Biociências da PUCRS - Graduação e Programas de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular e de Zoologia
Vice-coordenadora da Comissão de Ética para o Uso de Animais (CEUA)
Membro da diretoria do Latin American Zebrafish Network (LAZEN)
Membro Afiliado da Academia Brasileira de Ciências