A Pesquisa e a Publicação de seus resultados estão inseridas em um processo de produção e de transferência do Conhecimento, que deve servir para o benefício da sociedade.
Para que as evidências científicas advindas dos resultados de pesquisa sejam úteis para gerar transformações e melhorias reais, precisam ser divulgadas publicamente ou ser utilizadas no desenvolvimento e aprimoramento de produtos e processos.
Este ciclo de produção e de transferência do Conhecimento é complexo, custoso e envolve múltiplos atores. Nem sempre as relações são claras e lineares, o que pode gerar conflitos, desentendimentos e erros intencionais ou não-intencionais em várias etapas.
Além disso, deve-se sempre levar em consideração a relevância científica e social da pesquisa e da publicação em si:
Contudo, a própria comunidade acadêmica, os profissionais, o público usuário, os políticos, os governantes e os investidores do setor privado podem ter muitas dúvidas:
Como saber se os resultados científicos ou as ações que se respaldam em conclusões de pesquisa são válidos e úteis?
Por que investir tanto dinheiro em pesquisa?
Por que publicar artigos científicos, livros e outros textos de pesquisa se a maioria da população não os lê e não os compreende totalmente?
As respostas a estas dúvidas comuns não são simples nem diretas. Mas todas envolvem responsabilidade por cada um dos atos e confiança entre todos os envolvidos no processo de produção, transferência e utilização do Conhecimento científico.
Isto implica na participação ativa e responsável de vários atores em diferentes lugares:
O bom senso, a integridade e a ética são fundamentais tanto para pesquisar algo quanto para publicar os resultados científicos. Constituem as bases de um trabalho responsável e confiável, cujos resultados divulgados podem ser utilizados por outros pesquisadores (os denominados “pares” ou “peers”, em inglês) e pela sociedade em geral.
Dentre as diversas definições de “Ética”, podemos adotar neste trabalho a seguinte:
“Ética é a coleção de valores fundamentais, atitudes e normas consideradas pela maioria da população como essenciais para a vida pessoal, a convivência com o outro e com as instituições da sociedade.”
(Povl Riis. in F. Wells & M. Farthing (ed.): Fraud and Misconduct in Biomedical Research, 2008)
Por outro lado, temos que:
Transgressões éticas = má conduta (“misconduct”)
Trata-se de algo subjetivo, parte individual e parte coletivo, com variação no tempo e no espaço. Ao longo do tempo, os valores, as atitudes, os regramentos e as normas mudam na sociedade. No mundo, os cidadãos de diferentes culturas pensam e se relacionam de formas distintas. Por exemplo, Vasconcelos et al. (2009) mostraram a diferença intercultural na percepção do plágio de ideias, dados e texto entre pesquisadores anglo-saxões e latino-americanos.
Tem-se, portanto, certa variabilidade temporal e intercultural tanto na teoria quanto na prática, o que confere alta complexidade à visão de um ética universal para ser interpretada em condutas científicas globalmente aceitáveis. Faz-se necessário um esforço mundial para estabelecer critérios e consensos para uma ciência responsável e confiável.
Percebemos o quão complexo é o entendimento pleno do conceito de Ética, sua vivência diária e a determinação do que seria “certo” ou “errado”.
Por exemplo, você já pensou sobre as questões abaixo em relação à ciência?
Como saber o que é “certo” ou “errado”?
Existe “meio-certo” ou “meio-errado”?
O que acontece com o “errado” quando é descoberto?
Quem analisa e julga um caso suspeito de algum problema ético?
“Um leitor contata o editor-chefe de um periódico científico conceituado para denunciar que várias imagens de um artigo haviam sido publicadas previamente em outras revistas pelos mesmos autores. Uma das imagens foi ainda modificada e duplicada dentro do próprio artigo.
Após análise cuidadosa, o editor-chefe concorda com o leitor que há um problema editorial no artigo. O editor entra em contato com o autor correspondente Dr. X para apresentar a evidência do problema e solicitar uma explicação. O Dr. X responde que ele investigou o assunto em seu laboratório e que todos os “erros” foram causados pelos coautores do trabalho, alunos e pós-docs, devido à sua inexperiência. O Dr. X se desculpa, diz que assumirá responsabilidade total e solicitará a “remoção” do artigo publicado na revista. (...)”
Este é um caso real de um problema editorial comum, que tem servido de exemplo em diversos fóruns de discussão promovidos pelo Committee on Publication Ethics (COPE).
É um exemplo dos diversos tipos de problemas éticos em publicação científica e que colocam em risco a credibilidade das revistas, dos cientistas autores, das instituições de pesquisa e, de modo geral, a ciência produzida e financiada com recursos públicos ou privados.
Muitas formas de má conduta em pesquisa são detectados por editores de periódicos, revisores e leitores somente durante ou após a publicação de um artigo.
A integridade em pesquisa e a ética em publicação estão relacionadas. É impossível ter uma publicação idônea se houve má conduta na realização da pesquisa de origem e na coleta de dados. Neste caso, os resultados estão comprometidos e as conclusões não serão válidas ou admissíveis pela comunidade científica e pela sociedade em geral. O ideal seria evitar que uma pesquisa com problemas fosse realizada.
Por exemplo, dentre os casos de má conduta na realização da pesquisa, podemos citar:
Já no caso de publicações em periódicos científicos e também em forma de livros, alguns exemplos mais comuns de má conduta são:
Segundo o COPE (Committee on Publication Ethics), os problemas mais comuns em ética em publicações científicas são:
Dependendo da gravidade do problema em um artigo já publicado, o periódico pode publicar uma correção ou uma retratação. Cada situação deve ser avaliada cuidadosamente pela equipe editorial em contato com os autores, suas instituições e outras partes quando cabível. Há diretrizes editoriais produzidas pelo COPE e outras organizações para auxiliar a equipe editorial nos procedimentos e na tomada de decisão final.
Os principais motivos para a má conduta científica parecem ser os seguintes:
Vários fatores facilitadores da prática de plágio apontados por Vasconcelos et al (2009) são: cultura de “produtivismo” acadêmico, desconhecimento dos limites de apropriação de ideia e obra alheia, deficiência de formação em integridade em pesquisa, falta de domínio de redação científica, de paráfrase e da língua inglesa.
Segundo o documento sobre integridade em pesquisa: “Rigor e integridade na condução da pesquisa científica: guia de recomendações de práticas responsáveis” da Academia Brasileira de Ciências (2013), o plágio ocorre quando há apropriação de ideias e do trabalho de outros sem o crédito devido. Outro problema é o autoplágio ou republicação de resultados científicos já divulgados, como se fossem novos, sem informar publicação prévia.
O plágio e o autoplágio são tipos de má conduta científica que ocorrem tanto com alunos de graduação e de pós-graduação quanto com pesquisadores jovens e experientes. Fang et al. (2012) relataram que o plágio é a causa de quase 10% de artigos retratados na base de dados PubMed; já a publicação duplicada (o autoplágio ou a redundância) corresponde a 14% dos casos.
Em casos estabelecidos ou recorrentes de má conduta em pesquisa ou em publicação há necessidade de intervenção, com tomada de decisão pelas instâncias competentes, para investigação apropriada e correção do problema. Contudo, segundo o ditado popular, “é melhor prevenir do que remediar”, ou seja, a dimensão educativa tem um destaque central nas ações para evitar o problema.
Várias iniciativas têm sido colocadas em prática para proporcionar o acesso público à informação e às diretrizes de boas práticas científicas pela comunidade acadêmica e por outros setores relacionados à regulamentação, ao fomento e ao consumo da ciência. Além disso, é fundamental a implementação de ações específicas para a formação acadêmica com inclusão de conteúdos de integridade em pesquisa e de ética em publicação científica.
Dentro da instituição de ensino e pesquisa, a prevenção da má conduta deve incluir a disseminação de informação sobre boas práticas científicas a pesquisadores, alunos, técnicos e equipe editorial, além da capacitação técnica de forma planejada e contínua. Trata-se de desenvolver, implementar e avaliar políticas institucionais de ética e integridade em pesquisa e publicação.
A PUCRS é pioneira no Brasil na constituição de estruturas administrativas e acadêmicas voltadas para a articulação institucional de ética em pesquisa. O site da Pesquisa da PUCRS apresenta estas estruturas (Escritório de Humanidades e Ética (EHE), Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), materiais de apoio e links de interesse para os temas de ética e integridade em pesquisa.
Também todos os periódicos científicos da PUCRS editados pela EdiPUCRS são membros do COPE (Committee on Publication Ethics) e seguem suas diretrizes para ética em publicação. O COPE oferece auxílio a equipes editoriais e disponibiliza materiais de suporte.
Especificamente na área de ética em publicações científicas, há diversos sites de organizações especializadas com bom material de consulta e apoio a editores, revisores, autores e leitores:
Além disso, várias editoras internacionais (publishers) também possuem diretrizes éticas para a publicação de trabalhos em seus periódicos. Em geral, há parte dos sites com tal material em acesso aberto ao público.
Um objetivo comum a TODOS é ter Pesquisa e Literatura científica CONFIÁVEIS. Cada um tem um papel a desempenhar de forma ativa e consciente:
A estratégia de compartilhar boas práticas tem a vantagem de estabelecer uma rede de relacionamento e formar multiplicadores para a sustentabilidade das ações de conduta responsável em pesquisa, desde a sua realização até a publicação científica.
Em particular, a publicação científica não tem fronteiras em seu alcance, perpetua o conhecimento e possibilita a divulgação dos achados de pesquisa a um público diverso. Os periódicos científicos e suas equipes editorias são responsáveis pela divulgação de pesquisa confiável e relevante com potencial transformador para o bem estar da sociedade e do planeta. Por isso, há necessidade de esforços continuados para o estabelecimento de diretrizes internacionais de promoção de boas práticas acadêmico-científicas e de combate à má conduta em pesquisa e em publicações.
4th World Conference on Research Integrity. Research Rewards and Integrity: Improving Systems to Promote Responsible Research, Rio de Janeiro; 2015 May 31-June 3 [Internet]. [cited 2016 Jun 15]. Available from: www.wcri2015.org
Academia Brasileira de Ciências. Rigor e integridade na condução da pesquisa científica: guia de recomendações de práticas responsáveis [Internet]. Rio de Janeiro; 2013 [citado 2016 jun. 15]. Disponível em: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-4311.pdf
Committee on Publication Ethics (COPE). Promoting integrity in research publication [Internet]. [cited 2016 Jun 15]. Available from: http://publicationethics.org/
Fang FC, Steen RG, Casadevall A. Misconduct accounts for the majority of retracted scientific publications. Proc Natl Acad Sci U S A. 2012;109(42):17028-33.
Povl Riis. In: Wells F, Farthing M (ed.). Fraud and Misconduct in Biomedical Research, 2008, p.4.
Vasconcelos SMR, Leta J, Costa LOO, Pinto AL, Sorenson MM. Discussing plagiarism in Latin American science: Brazilian researchers begin to address an ethical issue. EMBO Rep [Internet]. 2009 [cited 2016 Jun 15];10(7):677-82. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2727439/
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Design Gráfico [Diagramação]: Edipucrs
Ilustração e animação: Maria Fernanda Fuscaldo
Revisão de texto: dos autores
Ficha Catalográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S556e Shinkai, Rosemary S. A
Ética em publicações científicas [recurso eletrônico] / Rosemary S. A. Shinkai. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2018.
Recurso on-line (27 p.). – (Coleção Integridade na Pesquisa em Foco ; 3)
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/
ISBN 978-85-397-1131-4 (volume 3)
ISBN 978-85-397-1128-4 (Coleção Integridade na pesquisa em foco)
1. Pesquisa – Aspectos morais e éticos. 2. Ética. 3. Educação. I. Título. II. Série.
CDD 23. ed. 001.4
Clarissa Jesinska Selbach – CRB-10/2051
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS
Bruno Todeschini/Arquivo Fotográfico/ASCOM/PUCRS
Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Odontologia
Assessora-chefe para Assuntos Internacionais e Interinstitucionais da PUCRS
Foi membro do Conselho do Committee on Publication Ethics (COPE), membro da Diretoria da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e editora-chefe da Revista Odonto Ciência (Journal of Dental Science)