A PUCRS, no ano de 2007, em um importante documento emitido pelo Comitê de Ética para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CEDECIT), refere-se que a elaboração de trabalhos científicos íntegros está relacionada com “a atitude pedagógica do esclarecimento que possibilite a criação de uma consciência de autoria responsável”, no que diz respeito aos trabalhos acadêmicos e nas pesquisas realizadas em nossa universidade.
A pesquisa científica é uma das atividades fundamentais que justificam a razão de ser de uma universidade. No Brasil, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 207, dispõe sobre o princípio da “indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão”.
Podemos dizer, em apertada síntese, que através das atividades de ensino, a universidade divulga e dissemina o “estado da arte” do conhecimento científico já sedimentado; nas atividades de extensão, a universidade entra em contato com a comunidade externa ao meio acadêmico e, na pesquisa, a universidade busca inovar o conhecimento científico já disponível, a partir da solução de problemas de forma metodologicamente controlada.
A promoção da criatividade e a inovação no meio universitário, ainda que possam ser desenvolvidas pelo ensino e extensão, são foco direto das pesquisas científicas realizadas pela comunidade acadêmica. Os protagonistas destas realizações são professores e alunos, os quais buscam tanto o progresso da ciência, quanto o aperfeiçoamento acadêmico pessoal.
Em algumas áreas do conhecimento, como nas Ciências Humanas, é mais comum encontrarmos pesquisas de autoria individual (FERNANDES; FERNANDES; GOLDIM, 2008, p.30). Em outras áreas, há com mais frequência pesquisas desenvolvidas por professores em parceria com colegas e também com alunos de Graduação e Pós-Graduação, seus orientandos.
Alguns destes alunos são pesquisadores voluntários de grupos e equipes de pesquisa coordenadas pelos docentes e, outros, são financiados por bolsas de instituições públicas ou privadas.
A questão da autoria de pesquisas científicas realizadas no ambiente acadêmico é um tema relevante, atual e também controverso do ponto de vista ético e jurídico. Entretanto, existem alguns consensos que precisam ser divulgados para fins de educação quanto à integridade ética na publicação da pesquisa, principalmente em nível de Graduação.
Este material didático apresenta orientações com o objetivo de esclarecer algumas das principais questões sobre a autoria das pesquisas científicas realizadas no âmbito da Iniciação Científica.
As pesquisas de iniciação científica sempre iniciam com a elaboração de um projeto de pesquisa. O projeto é um texto que apresenta o planejamento da pesquisa e demonstra sua exequibilidade. Deve apresentar alguns elementos obrigatórios, tais como problema, objetivos, justificativa, embasamento teórico, metodologia, cronograma e referências (MARTINS, 2000).
Inicialmente, é importante esclarecer que um projeto de pesquisa é considerado uma obra protegida pela Lei de Direitos Autorais (LDA), lei federal brasileira n. 9.610/1998, a qual dispõe, em seu artigo 7º, X, que são obras protegidas “os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência.”
A realização de um projeto de pesquisa por alunos da Graduação ocorre por meio da Iniciação Científica (IC) que, de acordo com o CNPq:
é um instrumento que permite introduzir os estudantes de graduação potencialmente mais promissores na pesquisa científica. É a possibilidade de colocar o aluno desde cedo em contato direto com a atividade científica e engajá-lo na pesquisa. (CNPq Apud PUCRS, 2013).
O engajamento dos alunos na pesquisa ocorre mediante um vínculo de orientação, no qual haverá um professor orientador que acompanhará o desenvolvimento nos primeiros passos científicos do aluno.
Importante esclarecer que o aluno de IC realiza, ou seja, executa o projeto de pesquisa. O professor, porém, é quem deve elaborar os projetos de pesquisa.
Esta regra institucional consta nos editais para submissão de projetos para captação de bolsas. O edital do programa interno de bolsas de IC concedidas pela PUCRS afirma que é requisito do projeto “ser de autoria do(a) orientador(a)” (PUCRS, 2013) e os editais da FAPERGS e do CNPq são ainda mais enfáticos, ao afirmar de forma proibitiva que o projeto não deve ser de autoria do aluno (PUCRS, 2013).
Esta é uma peculiaridade das pesquisas de iniciação científica, diferentemente dos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de Mestrado e teses de Doutorado, nas quais o autor do projeto de pesquisa deve ser o próprio aluno.
Os periódicos na forma impressa ou eletrônica, os resumos em anais de congressos e em salões de iniciação científica, as palestras e apresentações orais em eventos em geral são algumas das formas de publicação dos resultados de uma pesquisa.
Importante ressaltar que, “a publicação de literatura científica obedece a regras de conduta ética, a padrões de qualidade, a métodos científicos de pesquisa e a procedimentos editoriais reconhecidos no meio” (ANTONIO, 1998). Dentre as regras de conduta ética às quais devem ser obedecidas, estão aquelas sobre a autoria nas publicações.
A LDA, em seu artigo 5º, I, define publicação como “o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo.”
Ao inscrever um resumo em um evento de iniciação científica, o aluno deve incluir o nome do orientador, o qual é “corresponsável pela qualidade científica e ética das atividades de pesquisa de seus tutelados, bem como dos relatos de seus resultados.” (FAPESP, 2012, p.20)
Para publicar os resultados da pesquisa de IC, o orientando deverá ter o consentimento do seu professor orientador, que deve ser co-autor, na medida em que o texto seja reflexo da execução do planejamento previsto no projeto inicial elaborado pelo professor.
A ordem dos nomes dos autores em uma publicação deve ser estipulada previamente pela equipe de pesquisa, não havendo regra específica para esta questão. Porém, é importante grifar que, para fins legais, não há nenhuma distinção entre co-autores.
Todos os autores de uma obra coletiva respondem por ela integralmente e merecem, em igualdade de condições, a denominação de “autor”.
Em um artigo com vários autores, a única distinção que pode haver quando se define o primeiro nome a aparecer na referência é do ponto de vista de status acadêmico: serve para sinalizar uma posição de destaque dentro de uma equipe de pesquisa ou para reconhecer o pesquisador que efetivamente mais trabalhou no projeto ou naquela publicação.
Mas, enfim, quem deve ser indicado como autor em um trabalho científico? A FAPESP (2012) afirma que os autores devem ser:
Todos e, apenas, os pesquisadores que, tendo concordado expressamente com essa indicação, tenham dado contribuições intelectuais diretas e substanciais para a concepção ou realização da pesquisa cujos resultados são nele apresentados.
O tipo de contribuição válida para considerar alguém como co-autor de uma publicação, portanto, deve ser de caráter intelectual. Neste sentido, vale registrar a posição do CNPq (2011):
“Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de agradecimento.”
O Código da FAPESP (2012), em outras palavras, diz o mesmo, nos seguintes termos:
A cessão de recursos infraestruturais ou financeiros para a realização de uma pesquisa (laboratórios, equipamentos, insumos, materiais, recursos humanos, apoio institucional, etc.) não é condição suficiente para uma indicação de autoriade trabalho resultante dessa pesquisa.
Assim, a autoria é reconhecida pela contribuição pautada na efetiva produção intelectual e não em uma vantagem econômica ou hierárquica entre as pessoas que convivem em uma equipe de pesquisa.
Vários documentos nacionais e internacionais estipulam o dever de citar as fontes dos autores utilizados na pesquisa. Neste sentido, as Diretrizes sobre Ética e Integridade na Prática Científica (CNPq, 2011) prescreve que “o autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu trabalho.”
Os cuidados que os graduandos, pós-graduandos e professores devem ter para respeitar os direitos autorais de terceiros implica em uma forma de integridade ética de sua conduta e no cumprimento de normas metodológicas de citação e referência das fontes bibliográficas utilizadas.
O Código Europeu de Conduta sobre Integridade na Pesquisa (EUROPEAN SCIENCE FOUNDATION, 2011) dispõe que:
“Todos os pesquisadores [...] devem ser justos ao apresentarem suas referências e ao dar os devidos créditos aos trabalhos dos outros.”
No Brasil, estas orientações éticas possuem fundamentação legal. Podemos citar a Constituição Federal, a Lei de Direitos Autorais e o Código Penal.
A Constituição Federal (BRASIL, 1988) dispõe em seu artigo 5º, respectivamente incisos XXVII e XXVIII, que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras” e também que é assegurada a participação individual em obra coletiva, o que é muito comum em publicações em co-autoria no meio acadêmico.
Conforme a Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 24, II, o autor tem o direito moral de “ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado como sendo o do autor, na utilização de sua obra”. Isto implica no dever de citar e referir adequadamente a fonte bibliográfica por parte dos pesquisadores que utilizam e citam a obra de autoria alheia.
A citação não ofende os direitos autorais, de acordo com o artigo 46, III, da mesma lei, desde que seja para “fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra”.
De acordo com o artigo 108 da LDA, responderá por danos morais “quem na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete”. Ou seja, quem deixar de creditar a autoria poderá ser condenado a indenizar o autor da obra copiada e não referida.
Por fim, além da punição do ponto de vista civil, por meio de indenização, há sanção penal para a violação do direito autoral.
O Código Penal (BRASIL, 1941), em seu artigo 184, com redação incluída no ano de 2003, prevê que a violação de direitos de autor pode ser punida com detenção entre 3 meses a 1 ano ou com multa.
Embora a palavra “plágio” não esteja presente na legislação brasileira, ela é utilizada, pelo meio acadêmico, para se referir ao ato de publicar como própria uma obra intelectual de autoria alheia. É uma forma de violação de direito autoral e de desonestidade na prática científica.
O plágio é uma conduta eticamente reprovável e que pode ter consequências administrativas, determinadas pela instituição de ensino, e jurídicas, conforme vimos na legislação brasileira.
Neste sentido, o II Encontro Brasileiro sobre Integridade em Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (II BRISPE), ocorrido em 2012, recomendou que as instituições do país “conscientizem os alunos de que o plágio é uma violação acadêmica, seja no ensino fundamental, ensino médio ou universitário [...] o plágio em monografias, dissertações e teses também é, além de violação acadêmica, uma prática ilegal no Brasil”.
Portanto, podemos perceber que
“Citar [...] é não somente uma questão de ordem ética, mas um dever jurídico que gera sanções no caso de descumprimento”. (MORAES, 2007, p.100)
A iniciação científica conduzida com uma adequada orientação docente, pode estimular que os alunos assumam a autoria por suas pesquisas e, com isto, busquem produzir conhecimentos que demonstrem capacitação em avaliar criticamente o conhecimento já posto ao invés de meramente reproduzi-lo.
As pesquisas de IC são excelentes ferramentas para o exercício do amadurecimento intelectual dos graduandos e do desenvolvimento da criatividade e inovação, juntamente com a oportunidade da experiência de co-autoria nas publicações entre professores e alunos no objetivo comum do progresso científico com integridade ética.
ANTONIO, Irati. Autoria e cultura na pós-modernidade. Ciência da Informação, v. 27, n. 2, p. 189-192, maio/ago. 1998.
BRASIL. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diretrizes sobre ética e integridade na prática científica. Brasília, 2011. Disponível em: Acesso em: 12/6/2013.
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SÃO PAULO. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Código de Boas Práticas Científicas. Disponível em: http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf Acesso em: 12/6/2013.
FERNANDES, Márcia Santana; FERNANDES Carolina Fernández; GOLDIM, José Roberto. Autoria, direitos autorais e produção científica. Revista HCPA, 2008, 28 (1).
MARTINS, Gilberto de Andrade. Manual para elaboração de monografias e dissertações. São Paulo: Atlas, 2000.
MORAES, Rodrigo. O plágio na pesquisa acadêmica: a proliferação da desonestidade intelectual. Diálogos Possíveis, v. 6, n. 2, p. 91-109, 2007.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL. Edital BPA/2013 - Programa de Bolsa/Pesquisa para alunos da PUCRS. EDITAL Nº 01/2013 – Chamada Geral. Disponível em: http://www3.pucrs.br/pucrs/files/adm/prppg/editalBPA_01-2013.pdf Acesso em: 17/6/2013.
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL. Trabalhos acadêmicos: especificidades acadêmicas e correção ética. Porto Alegre, agosto de 2007. Disponível em: http://www3.pucrs.br/pucrs/files/adm/prppg/trabalhosUniversitarios.pdf Acesso em: 17/6/2013.
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Design Gráfico [Diagramação]: Edipucrs
Ilustração e animação: Maria Fernanda Fuscaldo
Revisão de texto: dos autores
Ficha Catalográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P683a Pithan, Lívia Haygert
A autoria nas pesquisas de iniciação científica [recurso eletrônico] / Lívia Haygert Pithan. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2018.
Recurso on-line (50 p.). – (Coleção Integridade na Pesquisa em Foco ; 2)
Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/
ISBN 978-85-397-1130-7 (volume 2)
ISBN 978-85-397-1128-4 (Coleção Integridade na pesquisa em foco)
1. Pesquisa. 2. Autoria. 3. Educação. I. Título. II. Série.
CDD 23. ed. 001.4
Clarissa Jesinska Selbach – CRB-10/2051
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS
Advogada
Doutora em Direito Privado pela UFRGS
Professora de Ética do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu de Medicina e Ciências da Saúde
Professora da Faculdade de Direito e Pesquisadora do Instituto de Bioética da PUCRS