2.4 Os efeitos do controle de constitucionalidade no modelo austríaco

Quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no modelo austríaco, a sentença tem caráter constitutivo e geral, ou seja, considera-se válido o ato normativo até a sua anulação pela Corte Constitucional, tornando-se ineficaz para todos a partir da publicação da decisão anulatória ou somente a partir da data estabelecida pela Corte, que não poderá exceder dezoito meses65. Nas palavras de Kelsen, “esse prazo permitia à legislatura substituir a lei impugnada por uma nova que fosse constitucional, antes que a anulação se tornasse efetiva”66.

A Constituição austríaca , ao contrário da Constituição norte-americana, dispôs expressamente sobre os efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade de uma lei. Kelsen refere a importância da existência de uma disposição clara da Constituição a esse respeito, a fim de evitar respostas contraditórias67.

A anulação da lei inconstitucional, todavia, pode trazer conseqüências que se afastem ainda mais da vontade da Constituição. Kelsen observa que somente onde se aceita a “teoria da nulidade ab initio” a declaração de inconstitucionalidade tem o efeito automático de restaurar a lei ou a norma da common law precedentes. Isso porque, no caso, a nulidade atinge inclusive o efeito derrogatório da lei declarada inconstitucional, considerando-se as normas que lhe eram anteriores como se nunca tivessem deixado de vigorar. Diferentemente, nos sistemas onde se adota a anulação da lei inconstitucional sem eficácia retroativa, essa eficácia derrogatória permanece; ou seja, a situação fica sem disciplina jurídica, porquanto a lei que ora regulava a matéria é anulada e a que lhe era anterior continua derrogada68.

Diante disso, nos sistemas que adotam a eficácia ex nunc da decisão anulatória da lei inconstitucional, seria necessária a previsão expressa da Constituição atribuindo efeitos repristinatórios para evitar que a matéria ficasse sem regulamentação a partir da entrada em vigor da decisão da Corte Constitucional. Porém, para Kelsen, “seria lamentável que a Constituição fizesse da reaparição desse estado uma regra geral imperativa, para todos os casos de anulação das normas gerais”, isso porque “o poder que seria conferido desse modo ao tribunal constitucional, de fazer as normas entrarem positivamente em vigor, acentuaria sobremodo o caráter legislativo da sua função, ainda que só se referisse a normas que já haviam sido postas em vigor pelo legislador regular”69.

Kelsen sugere, então, ser mais razoável autorizar a Corte Constitucional a decidir, em cada processo, se a entrada em vigor da anulação fará retornarem em vigor as normas anteriores à lei inconstitucional, determinando precisamente quais delas. Assim, vê-se a incorporação dessa idéia no sistema austríaco, porquanto, se de um lado a Constituição prevê o efeito repristinatório como regra ao dispor que se a lei é anulada com base na sua inconstitucionalidade por decisão da Corte Constitucional, as previsões legais revogadas pela lei cuja inconstitucionalidade foi declarada pela Corte tornam-se efetivas novamente, a menos que a decisão disponha de outra forma, no dia da entrada em vigor da anulação; de outro, estabelece que a publicação da anulação da lei deverá também anunciar se e quais previsões legais entrarão em vigor novamente 70.