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Não obstante a grande influência do modelo norte-americano na adoção do princípio da nulidade da lei inconstitucional, o modelo brasileiro, a princípio apenas difuso, não funcionava nos mesmos moldes daquele. Não se observava aqui o mesmo impacto que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei lá causava, em face da força vinculante das decisões da Suprema Corte. A manifestação desta no caso concreto adquiria, de fato, pelo princípio do stare decisis, quase uma eficácia erga omnes. Embora não houvesse no sistema norte-americano – como tampouco aqui existia – uma fórmula de retirada da lei inconstitucional do ordenamento jurídico, o efeito vinculante das decisões declaratórias de inconstitucionalidade cumpria esse papel.
A inevitável preocupação com a falta de estabilidade das decisões judiciais que dispunham sobre questões constitucionais fez com que o sistema brasileiro buscasse, aos poucos, alternativas para centralização das decisões acerca da constitucionalidade das leis e a conseqüente eficácia geral das mesmas. Numa tentativa de concentração dessas decisões criou-se o instituto da “reserva de plenário”, que se consubstancia na exigência da maioria absoluta dos membros do Tribunal de Apelação para declarar a inconstitucionalidade de uma lei (já mencionado art. 179 da Constituição de 1934). E, ainda, no intuito de amenizar a falta da eficácia geral, previu-se a competência do Senado para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (art. 91, IV, da Constituição de 1934)50 51.
A Constituição de 1934 representou um importante marco rumo à introdução do controle de constitucionalidade por via direta, principalmente ao prever que a Corte Suprema, por provocação do Procurador-Geral da República, deveria manifestar-se sobre a constitucionalidade da lei que decretasse a intervenção federal em caso de inobservância dos chamados princípios sensíveis, deveres constitucionais impostos aos Estados52. Tratava-se da representação interventiva, “fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, § 3°), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, § 2°)”53.
Com a Constituição de 1946 , a representação interventiva ganha nova configuração, assumindo o Procurador-Geral da República a titularidade da representação de inconstitucionalidade do ato do ente federado54. Não obstante o papel do Procurador-Geral da República fosse de representação dos interesses da União (art. 126), o Supremo Tribunal Federal conheceu da Representação n. 95, encaminhada por Themístocles Cavalcanti, então Procurador-Geral da República, cujo parecer era pela constitucionalidade do ato impugnado. Justificou a propositura da ação por entender que a impugnação de ato que supostamente ferisse os princípios constitucionais bastaria para que a controvérsia fosse levada ao Supremo Tribunal Federal55.
A experiência brasileira com a representação interventiva resultou no delineamento dos princípios do controle abstrato de normas no Brasil. O que se vê no julgamento da Representação nº 94, de relatoria do Min. Castro Nunes, cujo voto traz notas distintivas entre o controle concreto e o abstrato, dispondo o seguinte:
A 26 de novembro de 1965, a Emenda Constitucional n. 16 trouxe para o nosso sistema o controle de constitucionalidade por via de ação. O art. 2° da Emenda deu nova redação ao art. 101, inciso I, alínea k, da Constituição Federal de 1946 , dispondo ser da competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente “a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”. Houve, portanto, sob o aspecto material, uma ampliação do controle abstrato, que antes se restringia aos conflitos federativos.
A Constituição de 1967 (art. 114, I, l) e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (art. 119, I, l) mantiveram as mesmas regras da Constituição de 1946 no que tange ao controle de constitucionalidade, dispondo sobre a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente “a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual”.
Em que pese o debate em torno da função exercida pelo Procurador-Geral da República (se discricionária ou não), aos poucos, o que se considerava um direito foi-se transformando num poder-dever de encaminhar a controvérsia constitucional a quem tinha competência para solucioná-la, o Supremo Tribunal Federal57.
A Constituição de 1988 pôs fim ao monopólio do Procurador-Geral da República de propor a representação de inconstitucionalidade, dando também legitimidade para o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103)58.
Vê-se, pois, uma evolução do modelo de controle de constitucionalidade brasileiro, com a inclusão da técnica de controle pela via direta, transplantando-se para cá o modelo austríaco de controle de constitucionalidade, eminentemente concentrado e abstrato.
Não restou eliminado, todavia, o controle difuso. Abriu-se a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal manifestar-se sobre a constitucionalidade de um ato normativo pela via direta, ou seja, em ação própria, em que o próprio objeto seria a questão constitucional. Fez-se, pois, a junção dos dois modelos, o norte-americano e o austríaco, o que caracteriza o nosso sistema como misto.
Não obstante a via incidental tenha sido a forma originária exclusiva de controle de constitucionalidade no Brasil, a via direta de controle veio tomando força tal que se poderia afirmar, hoje, até mesmo a sua preponderância. É que a partir da Constituição de 1988, deu-se maior ênfase ao controle abstrato com a criação de novos instrumentos nesse âmbito, quais sejam: a ação direita de inconstitucionalidade por omissão, para tornar efetiva as normas constitucionais dependentes de regulamentação; a ação declaratória de constitucionalidade, introduzida pela Emenda constitucional nº 3, de 1993, que veio resolver o impasse acerca do caráter dúplice ou ambivalente da representação de inconstitucionalidade – agora ação direta de inconstitucionalidade – tendo em vista a relutância de alguns em admitir que o Supremo Tribunal Federal conhecesse da ação quando o Procurador-Geral da República se manifestasse pela constitucionalidade da norma impugnada; e a argüição de descumprimento de preceito fundamental, que veio complementar o sistema de controle abstrato, porquanto, pelo princípio da subsidiariedade (art. 4°, § 1°, da Lei nº 9.882/99), aplica-se somente aos casos em que não houver “meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata”59.
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