Os acontecimentos históricos narrados têm início quando os tiros dos canhões da artilharia ressoaram na muralha e nos bastiões da Colônia de Sacramento, em 1736. Soldados espanhóis e os guerreiros guaranis dos povoados missioneiros tentaram conquistar a cidade defendida por tropas portuguesas. Eles continuam, duas décadas depois, quando milhares de flechas guaranis se partiram contra os metais das tropas portuguesas e espanholas, num crepúsculo da história missioneira banhado pelo sangue de mais de mil guerreiros indígenas mortos. O ocaso das missões é marcado pelo conflito de três exércitos na Batalha de Caiboaté, na guerra que indígenas guaranis fizeram contra os reis de Espanha e Portugal.
Com a derrota, as suas aspirações utópicas morreram no campo de batalha. Aos guaranis restaram poucos caminhos. Um deles foi fugir para as florestas onde suas aldeias tinham tido origem. O outro foi migrar para as cidades espanholas e portuguesas, ou seja, rumo às raras aglomerações urbanas que nasciam na região do Rio da Prata. Tratava-se, em ambos os casos, de um recomeço. Nas florestas, prevaleceu uma volta à cultura tradicional e uma perda gradual das referências à cultura europeia. Nas terras lusas, acompanhando as tropas da coroa de Portugal, significou uma imersão no povoamento que se realizava no Rio Grande, juntamente com famílias lusas de ilhéus dos Açores e com os escravos africanos. Falando o português, disfarçados com camisetas coloridas de suas equipes de futebol preferidas, seus descendentes ainda hoje circulam incógnitos pelas ruas de Porto Alegre, vendendo seu artesanato.
O diário, pretensamente um documento de época, se apresenta como sendo uma narração que tem como objetivo dar voz aos guaranis, importantes personagens participantes das guerras platinas, desde a experiência missioneira dos jesuítas até o início do povoamento do Rio Grande de São Pedro. O objetivo do texto foi, portanto, permitir o testemunho dos indígenas guaranis missioneiros, que perderam seu mundo em Caiboaté.
Entretanto, ele não se limita a isso. Os autores destes diários e narrativas, pretendem evitar que a memória dos acontecimentos desapareça com o tempo e permaneça ignorada de todos. Eles procuram salvar uma memória do que parece furtivo e inacessível do passado histórico. E que, provavelmente, desaparecerá se não for documentado.
Não é tudo o que se passou que lhe interessa aos seus autores. Eles não estão interessados nas curiosidades ou nas anedotas do passado. Escolhem o que julgam importante para esclarecer o passado e iluminar aquilo que está obscuro na compreensão de seu presente. E sabem que só assim as suas narrativas terão valor.
Estas páginas têm um cenário: as paisagens do Rio da Prata. É uma cenografia do ambiente onde habitantes platinos (aldeões guaranis, caçadores charruas e minuanos, escravos de origem africana, portugueses e espanhóis) são personagens reais a desfilar a suas grandezas épicas e suas misérias trágicas, suas esperanças e seus fracassos.