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Analisar o tema dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade exige que se faça um estudo das soluções adotadas nos modelos norte-americano, austríaco e alemão, tendo em vista a influência desses nos demais sistemas de controle de constitucionalidade, principalmente no brasileiro, sobre o qual recai o enfoque deste trabalho.
No sistema norte-americano, onde, historicamente, consagrou-se o controle judicial e difuso, prevalece a idéia de que a lei inconstitucional está impregnada de uma nulidade absoluta, insanável, da qual, portanto, não deverá surtir nenhum efeito. Assim, propagaram-se as doutrinas de John Marshall e Alexander Hamilton, no sentido de que a atribuição de efeitos retroativos à declaração de inconstitucionalidade é solução que se impõe diante da supremacia da Constituição.
Já no sistema austríaco, a regra é diametralmente oposta à adotada nos Estados Unidos, mas não pelo fato de o controle ser concentrado, pois este, aliás, daria até mais respaldo à declaração de nulidade, porquanto a sua natural eficácia erga omnes serve melhor para rechaçar a lei inconstitucional. A justificativa kelnesiana para a fixação de efeitos ex nunc e até mesmo pro futuro encontra-se na segurança jurídica e no fato de que os legisladores também são intérpretes da Constituição, não cabendo ao Judiciário anular os efeitos resultantes do exercício da tarefa legislativa.
Na Alemanha, por sua vez, verifica-se que, apesar de a regra ser a da nulidade absoluta, as diversas variantes da decisão declaratória de inconstitucionalidade aproximam o sistema tedesco daquele pregado por Kelsen. O Tribunal Constitucional alemão atribui para si ampla margem de manipulação dos efeitos com fundamento nos princípios constitucionais, podendo-se utilizar das seguintes espécies de decisão: declaração parcial da nulidade sem redução de texto, declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, interpretação conforme a Constituição e o apelo ao legislador.
A implantação do controle de constitucionalidade no Brasil deu-se num momento de grande influência dos Estados Unidos, onde já se adotava há mais de um século a forma federativa de governo bem como o sistema de controle judicial e difuso a fim de garantir a estabilidade da Federação. A insuficiência da adoção desse modelo no Brasil, em face da ausência de institutos que lhe dessem suporte, como o stare decisis e o writ of certiorari americanos, levou o constituinte derivado de 1965 a trazer para a Constituição de 1946 o controle de constitucionalidade pela via abstrata, que, na Áustria, era adotado de forma exclusiva.
A jurisprudência desses dois modelos, norte-americano e austríaco, comprovou com a experiência dos casos levados à Suprema Corte e ao Tribunal Constitucional, respectivamente, que a flexibilização das fórmulas de fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade era algo que se impunha. No primeiro, inaugurou-se a possibilidade de restrição aos efeitos ex tunc com o julgamento do caso Linkletter versus Walker. No segundo, a hipótese de exceção à eficácia ex nunc da anulação da lei inconstitucional foi introduzida pela reforma de 1929, que atribuiu legitimidade às Cortes Suprema e Administrativa para fixar efeitos retroativos limitadamente ao caso concreto.
A evolução da fiscalização da constitucionalidade das leis no Brasil evidencia a influência dos três modelos de controle abordados. Formou-se aqui um sistema misto, que conjuga as vias direta e indireta de controle. Ademais, o Supremo Tribunal Federal vem utilizando-se cada vez mais das soluções adotadas pelo sistema alemão para os casos em que a declaração de efeitos retroativos afasta-se ainda mais da vontade da Constituição.
Diante da constatação de que a falta de uma técnica alternativa à simples declaração de nulidade pode enfraquecer a aplicação da norma constitucional, introduziu-se no Brasil uma diretriz legal sobre a fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, à semelhança da norma prevista no art. 282, 2, da Constituição Portuguesa. Tratam-se dos arts. 27 e 11 das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, respectivamente, os quais estabelecem que o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, poderá, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou atribuir-lhe efeitos a partir do seu trânsito em julgado ou de outra data que fixar.
A previsão de tais dispositivos, todavia, foi alvo de questionamentos acerca de sua constitucionalidade, tendo em vista que sempre se considerou a eficácia ex tunc uma conseqüência lógica da declaração de nulidade, a qual decorre, aliás, para aqueles que a defendem, da própria supremacia da Constituição. Pode-se dizer que a discussão engloba três pontos: primeiro, quanto à possibilidade de uma norma infraconstitucional regular a fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade; segundo, quanto aos critérios adotados, ou seja, as razões de segurança jurídica ou o excepcional interesse social; terceiro, quanto à possibilidade de fixarem-se os efeitos para uma data posterior à do trânsito em julgado da decisão.
Em defesa da constitucionalidade da referida previsão, constante nas Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, está o fato de que ela representa tão-somente a positivação do preceito da proporcionalidade, na medida em que determina a ponderação entre a norma constitucional que enseja a declaração de inconstitucionalidade e a norma constitucional que justifica a preservação dos efeitos produzidos pela lei inconstitucional (qual seja, aquela que, no caso concreto, pode-se traduzir por segurança jurídica ou excepcional interesse social).
A indeterminação das expressões segurança jurídica e excepcional interesse social, por sua vez, dá margem para que se entenda ter o Supremo Tribunal Federal o poder de restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade nos mais variados casos, porquanto dificilmente uma norma constitucional não estará abrangida por aquelas razões. Neste contexto é que se revela a importância do preceito da proporcionalidade, nas suas três dimensões (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), pois o peso de cada um dos princípios constitucionais contrapostos no caso concreto é que definirá qual a solução mais justa na fixação dos efeitos da decisão.
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